Chuteira Ativista

A morte da palmeirense Gabriela Anelli foi o episódio mais trágico de uma série de atos violentos registrados em nosso futebol pelo menos desde o final de junho. Começou com os sinalizadores na Vila Belmiro e, um dia depois, em São Januário. No meio do caminho, ainda teve o caso do atacante Luan, agredido por torcedores em um motel. Para nenhuma surpresa, a repercussão nas mesas redondas foi com debates rasos e os discursos de sempre, culpando a "impunidade" e só ela e criticando eventuais medidas "paliativas" que não resolveriam nada. Mergulhados no jornalismo de soluções e com a missão de promover uma discussão propositiva, abordamos todos os aspectos do futebol, do torcedor à imprensa, dos clubes à polícia, dos jogadores à justiça desportiva, para encontrar as diversas formas de manifestação da violência e tentar responder por que estamos longe de atenuá-la, já que zerá-la é utopia. Essa edição foi gravada na sexta-feira (14/7).

O “País do Futebol” (com muitas aspas) agora tem uma lei que regulamenta a prática desportiva como um todo e consolida a atividade em um arcabouço jurídico. Depois de sete anos de discussões no Congresso e votação final no Senado Federal no mês de maio, o presidente Lula (PT) sancionou na quarta-feira, 14 de junho, a Lei Geral do Esporte. Entretanto, o petista fez 84 vetos, comprometendo cerca de 40% do texto, constituído de 218 artigos. A nova legislação incorpora dispositivos de outras normas que tratam do esporte e revoga várias delas, como o Estatuto do Torcedor e a Lei do Bolsa-Atleta. Os dispositivos que revogam totalmente a Lei Pelé e a Lei de Incentivo ao Esporte foram vetados. O Ministério do Esporte terá até 90 dias para encontrar a solução legislativa para preencher as lacunas. O avanço para a paz nas praças esportivas fica interditado, por enquanto, com o veto à criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e Discriminação no Esporte. Em outro ponto, Lula atendeu os protestos (“mão na boca”) dos jogadores de futebol e barrou mudanças em garantias trabalhistas.

Uma semana depois do ataque racista sofrido por Vinicius Júnior (Real Madrid) no Estádio de Mestalla, CBF e La Liga estão promovendo campanhas institucionais contra o racismo no futebol. O caso virou questão diplomática entre Brasil e Espanha. As autoridades espanholas continuam atrás de mais torcedores envolvidos nos crimes de ódio, com um total de sete presos até aqui, entre torcedores do Valencia e do Atlético de Madrid. Vini Jr. foi vítima de racismo em pelo menos 10 ocasiões desde 2021, período que coincide com a evolução do seu jogo no Real. Neste episódio, analisamos as repercussões, os discursos e as promessas. Em nossa pesquisa, descobrimos que a Liga Espanhola, do tenebroso presidente Javier Tebas, esconde a versão mais atualizada do "Manual del aficionado", que contém instruções aos torcedores, incluindo o regulamento para a prevenção de violência, racismo, xenofobia e intolerância no esporte.

Máfia da loteria esportiva, máfia do apito e agora quadrilha das apostas online. Toda vez que o futebol deixa os (poucos) cadernos de esportes para ganhar as (muitas) páginas policiais, o torcedor mais apaixonado cai em desilusão, desgosto. É tudo armado, como certa vez me disse fulano? Uma minoria de bandidos aprisiona a paixão de milhões de pessoas em troca de milhares de reais. O que fazer? Neste episódio, tratamos do assunto do momento, que a cada dia ganha novos desdobramentos. Na medida que a investigação do Ministério Público de Goiás se aprofunda, mais nomes de jogadores aparecem, citados ou envolvidos diretamente com as fraudes. Conforme as denúncias, atletas seriam aliciados por apostadores ou até mesmo por outros atletas para tomar cartões e cometer pênaltis em troca de dinheiro. Na maioria das ocasiões, parte do valor prometido era depositada de forma antecipada, como forma de assegurar que "tarefa" seria cumprida em jogos de campeonatos estaduais e das séries A e B do Brasileirão. A imunidade da elite era uma farsa.

O Brasileirão de pontos corridos com turno e returno completou, em 2023, duas décadas de existência. Desde o primeiro título do Cruzeiro, em 2003, outros sete clubes - todos do Sudeste - se sagraram campeões, e o campeonato ficou conhecido por premiar as campanhas mais regulares e, em geral, os melhores elencos. Entretanto, não são poucos os torcedores que defendem o retorno do mata-mata e sua emoção. Entre 1971 e 2002, sob este formato, houve o dobro de times campeões, 16, e com vencedores também nas regiões Nordeste e Sul do Brasil. Neste episódio, procuramos entender por que o "fantasma" do mata-mata nos ronda. Será cultural? Existe essa discussão na Europa? É o que procuramos saber. Essa edição conta com várias informações do nosso "Data Chuteira".

Recentemente, as Sociedades Anônimas do Futebol mais badaladas do Brasil, de Botafogo-RJ e Cruzeiro, completaram um ano de existência. Neste início de projeto, o americano John Textor e o ex-jogador Ronaldo Fenômeno têm percebido as dificuldades de administrar clubes tradicionais que estão superendividados. Enquanto as torcidas esperam os milhões em investimentos no futebol, os gestores gastam mais energia para arrumar a casa, tentando, ao mesmo tempo, gerir a velha pressão por resultados dentro de campo. Neste episódio, falamos da briga de Textor com a Lei da SAF, a estranha saída de Pezzolano da Raposa, os primeiros passos de City Bahia e 777 Partners Vasco e as movimentações dos outros clubes do Brasileirão da Série-A.

Para a edição da Copa do Brasil de 2024, a CBF mudou as regras de classificação. O Ranking de Clubes (RNC) da própria confederação foi excluído, em benefício dos resultados dos campeonatos estaduais, de onde sairão 80 das 92 vagas para o torneio nacional. Os efeitos já começaram a ser sentidos, depois do início ruim de temporada de alguns gigantes brasileiros. Santos, Corinthians, São Paulo e Botafogo poderão ficar de fora da próxima Copa do Brasil, apelidada por nós de “Copa do Pix”, por oferecer pomposas premiações aos campeões desde 2018. Neste episódio, analisamos o jogo de forças no contexto geral. Em meio ao duopólio de Palmeiras e Flamengo, Ednaldo Rodrigues usa a Copa, ao invés do Brasileirão - cada vez menos valorizado -, para agradar as federações, unidas em torno do presidente, e apreciar os campeonatos estaduais, contestados por alguns (não por nós). Ainda há a desigualdade da Copa do Pix, milionária e sem VAR desde o começo.

A TV Globo está em processo de reconquista do essencial do futebol no Brasil. A emissora renovou com a FIFA até 2026, ainda que sem exclusividade, retomou os direitos de transmissão da Copa Libertadores, que ficou três anos no SBT, e agora comprou os torneios nacionais femininos, a Supercopa e o Brasileirão, este último na tela da Band até o ano passado. Teria tudo para ser mais uma boa notícia depois de outras duas vindas da CBF: aumento da premiação nas competições e promessa de mais clubes femininos até 2027. Entretanto, o canal de maior audiência no País anunciou que transmitirá apenas seis jogos na TV aberta, só os da fase decisiva, contra mais de 20 na Band, e apenas uma pequena parte das demais partidas estará no SporTV. A CBF acompanhou o desleixo. Com o campeonato em andamento, não há acordo até agora para transmissões na internet pela plataforma Eleven Sports, como era antes. Em cima da hora, a confederação liberou os clubes a fazerem transmissões próprias. Mas como? Nem todos conseguem, gerando os conhecidos jogos fantasmas (sem transmissão). O Brasil que receber a Copa, mas sem valorizar de verdade os próprios campeonatos.

Há tempos que olhamos com inveja estádios de outras partes do mundo, Europa, Ásia ou mesmo aqui da América Latina, e suas arquibancadas repletas de dizeres políticos e torcedores chamando a atenção para problemas atuais ou do passado. No Brasil, estamos longe de ter essa cultura, mas, desde pelo menos o turbulento ano de 2016 – do golpe contra a presidente Dilma Rousseff –, coletivos antifascistas têm surgido em várias partes do País, unindo a Política ao Futebol dentro e fora dos campos. Neste episódio, trazemos o caso da Resistência Caipira, antifa do Botafogo de Ribeirão Preto-SP, que recentemente foi proibida pela Federação Paulista de Futebol de frequentar estádios até o fim de 2023, após recomendação do Ministério Público com base em ofício da Polícia Militar. A PM ofereceu uma versão distorcida de uma confusão com membros do coletivo, provocada pela própria corporação, que foi motivada pela entrada no estádio Santa Cruz da faixa “Sem Anistia”, contra os atos golpistas de bolsonaristas no dia 8 de janeiro, em Brasília. Por isso, convidamos para uma entrevista o Juarez Alves de Lima Júnior, advogado e integrante da Resistência. Além da proibição, ele comenta as ações sociais promovidas pelo grupo e explica as diferenças do coletivo antifascista para uma torcida organizada convencional.

Uma punição decorrente de uma briga de torcidas no Atletiba forçaria Coritiba e Athletico a estrearem em casa no Campeonato Paranaense de 2023 com portões fechados. Entretanto, uma boa ideia levada pelos clubes à Justiça Desportiva fez com que os estádios fossem abertos, mas só para mulheres e crianças. A arquibancada diferenciada emocionou, foi histórica e mais: pode deixar um legado, caso as agremiações passem a dar mais valor e a conhecerem melhor esses públicos. No início, focamos na questão feminina. Depois, passamos a das crianças com um levantamento que mostra as diferentes e quase sempre limitadas políticas de gratuidade nas principais praças esportivas do País.

Futebol e Política são a nossa praia, mas a mistura Futebol e Ciência com uma pitada de sociologia também nos chama a atenção. Neste episódio, vamos tratar de uma pesquisa que acabou de sair do forno. Em dezembro de 2022, foi lançado um livro, resultado de um estudo inédito, chamado “Fisiologia das Emoções no Futebol”. As pesquisadoras Aline Colares e Heloísa Reis mostraram o que acontece no organismo dos torcedores fanáticos durante as partidas de futebol. A ideia surgiu no livro “A Busca pela Excitação”, do conhecido sociólogo alemão Norbert Elias e o então aluno dele Eric Dunning, que se tornaria um prestigiado sociólogo no Reino Unido. Em entrevista ao Chuteira Ativista, a Aline Colares, doutora em Educação Física pela Unicamp, revelou as descobertas e explicou como o estudo foi feito.

A 3ª temporada do Chuteira Ativista começa com uma reverência ao Rei do Futebol. Partiu o Edson, Pelé é eterno, assim como nossa gratidão. Este episódio é uma homenagem ao maior de todos os tempos. Aborda seus feitos, sua fama, sua pessoa. Ainda que produzido por dois "pelezistas de internet", busca dimensionar corretamente este legado inigualável. O maior brasileiro. O herói que nunca tivemos, o símbolo nacional com verdadeiro significado. Seu cortejo fúnebre, em Santos, escancarou os moralistas sem moral e expôs a realidade: nosso povo tem dignidade e memória.

Na segunda parte da Retrospectiva 2022 do Chuteira Ativista, abordamos diferentes assuntos. Dois deles continuarão bastante no radar em 2023: a possível criação de uma liga de clubes e as novas SAFs em desenvolvimento, no Bahia - mais adiantada - e no Vasco da Gama. Debatemos ainda a recriação do Ministério do Esporte em Lula 3, que enfrentará muitos desafios, e os impactos duradouros nos esportes da Guerra da Rússia contra a Ucrânia.

É chegada a hora da Retrospectiva de 2022 do Chuteira Ativista. Só temos a agradecer a companhia de vocês, ouvintes, que nos aguentaram em mais de 30 episódios, cerca de 57 horas de conteúdo, neste movimentado ano. Antes do pontapé inicial da 3ª temporada, vamos relembrar os principais fatos tratados aqui em 2022. Desta vez, a "Retrô" será de trás para frente, começando pela Copa do Mundo do Catar, os protestos por direitos humanos, o processo contra o jogador iraniano Amir Nasr-Azadani, o fiasco da seleção brasileira de Tite-Titinho e o protagonismo feminino na cobertura do Mundial, em especial, na TV Globo, emissora oficial.

Apesar do “cala boca” da FIFA, seguido por uma enganosa cerimônia de abertura, a primeira rodada da Copa do Mundo de 2022, no Catar, foi marcada por protestos. Autoridades, jogadores, torcedores e outros envolvidos no Mundial encontraram uma forma de se manifestar contra discriminações e violações a direitos básicos dos cidadãos no país-sede do torneio. A seleção alemã pôs a mão na boca, e a faixa pró-diversidade “One Love” apareceu nas redes sociais, nas arquibancadas e até à beira do gramado. Os atletas iranianos e as torcedoras iranianas, alijadas dos estádios na sua própria nação, foram além e lembraram de um grave problema político doméstico, o assassinato da jovem Mahsa Amini, que gerou uma onda de protestos, violentamente reprimidos pelo governo.

Na véspera do jogo de abertura da Copa do Mundo de 2022, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, fez o discurso da autoincriminação. Demagogicamente, afirmou que se sentia como todas as minorias envolvidas neste Mundial. Aquelas desprovidas de direitos, que ele não consegue ou não pode admitir. No começo de novembro, a cúpula da entidade já havia enviado um recado, por meio de carta, às 32 seleções: “vamos nos concentrar no futebol”. Nossa mensagem é o oposto: protestem, façam política. Nunca saberemos quantas vidas de migrantes foram perdidas e quantos trabalhadores foram explorados para erguer a Copa do Catar. Mas, ainda que sem dizer, as ditaduras escancaram suas piores facetas. Combinam com a FIFA, que terá Infantino como candidato único atrás do terceiro mandato. Direitos humanos para todxs!

Neymar atirou a seleção brasileira no centro do debate político-eleitoral ao declarar apoio a Jair Bolsonaro na disputa presidencial contra o ex-presidente Lula nas eleições de domingo (30). Mais do que uma simples dancinha de Tik Tok, o atacante entrou de cabeça na campanha do Bozo ao participar de uma live na internet, em que expôs o pensamento do jogador brasileiro médio quando o assunto é a política nacional. Em tempos em que a camisa canarinho é tudo menos apolítica ou apartidária, Tite se descolou diante da atitude do comandado e possível capitão no Mundial que também se aproxima. Se existia acordo pelo silêncio eleitoral, o que o técnico nega, tudo foi posto abaixo. Menos mal que, excepcionalmente este ano, a Copa do Mundo será depois das eleições gerais e não o contrário, como de costume.

Pelo quarto ano consecutivo, as finais das copas Libertadores e Sulamericana são decididas em jogo único. Por esta altura, o São Paulo já perdeu na Sula para o Independiente del Valle com um fiasco de público e sem comoção do povo de Córdoba/ARG, e o duelo rubro-negro na Liberta, entre Athletico-PR e Flamengo, caminha para o mesmo desfecho em Guaiaquil/EQU. A elitização dos torneios está dada com ingressos e passagens caros para acesso a estádios estranhos aos torcedores, despejados das próprias culturas de arquibancada. Os colonizados copiam os colonizadores, e a importação europeia é um desastre fora da televisão.

A poucos dias do primeiro turno das eleições, o ex-jogador Raí, lenda do São Paulo Futebol Clube, publicou um texto magnífico no site The Players’ Tribune intitulado “Salve a Democracia”. O irmão mais novo de Dr. Sócrates lembrou do próprio aprendizado político ao longo da carreira, cobrou manifestações abertas dos atletas e apontou os riscos de uma nova vitória de Bolsonaro nas urnas. Raí, Casagrande, Roger Machado são exemplos raros de futebolistas brasileiros que buscam compreender e debater a realidade política e social do País, furando a apatia geral e as bolhas alienantes de dogmatismos religiosos. Neste episódio, reafirmamos nosso voto em Lula, como no editorial passado, e lembramos figuras do Esporte que engrossam as fileiras democráticas contra o genocida.

Desde que assumiu o governo, Jair Bolsonaro deu mostras de qual seria seu compromisso com o desporto nacional: nenhum. Em janeiro de 2019, extinguiu o Ministério do Esporte, que viraria uma secretaria “especial” sob o guarda-chuva do Ministério da Cidadania. Da Copa do Mundo de 2014 em diante, o orçamento para a pasta só caiu. Nem a Olimpíada do Rio, em 2016, foi motivo para aumento nos repasses do programa Bolsa Atleta, estagnados há mais de uma década. Enquanto Bolsonaro vestia camisas de time e visitava estádios, a imprensa noticiava os apadrinhamentos políticos na secretaria de Esporte e a farra das “ONGs de prateleira”, que definitivamente não produzem novos campeões olímpicos. PS: o Chuteira Ativista finaliza este episódio com um editorial sobre as eleições de outubro.